segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Consultório Sentimental

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Descompasso
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Tenho 25 anos e namoro há quase cinco. Ele é o único homem que eu amei e por quem fui amada. Porém nossa relação está mudando. O que conta para ele é sexo. Pouco importam a hora e o local. O carinho e a atenção estão esquecidos. Quando ele tem um problema, eu o ajudo. Às vezes, deixo de fazer minhas coisas para ajudá-lo. Já ele nunca faz isso.
Já  procurei  conversar sobre o assunto, mas, quando começo a falar, ele leva a conversa para outro lado, e no fim sempre acaba bem. Depois, na semana seguinte, o problema volta como era antes. Como proceder para mostrar o que eu quero?
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Sua história me faz pensar num quadro de David Lynch. Uma tela relativamente grande com dois personagens. Na extremidade esquerda, um homem de perfil com uma faca; na extremidade direita, uma mulher sentada de frente para o homem. Ao lado dele há uma frase: “Você vai escutar o que eu tenho a dizer?”. Ao lado dela, uma única palavra: “Não”.
Você está na posição do homem e o seu namorado está na posição da mulher, que não quer escutar e ponto. A “conversa” entre vocês hoje acaba bem, mas é provável que, no futuro, você sinta ódio, pois ele faz de você mero objeto do próprio gozo. Comporta-se como um animal, uma vez que “pouco importam a hora e o local”. Ora, o que caracteriza a nossa  sexualidade é o controle.
Ao contrário do animal, o homem controla o sexo através do erotismo; controla e faz variar. O erotismo é invenção contínua, ele nos é próprio e nos diferencia dos animais, cujo coito é sempre o mesmo. Basta observar para ver que nada muda. O louva-a-deus fêmea devora o macho depois da fecundação. O pombo arrulha e gira em torno da fêmea. Isso é assim desde a origem dos tempos.
Será que você vai conseguir mostrar ao namorado o que quer? Duvido. A conduta dele é machista, e macho que é macho não dá ouvidos à mulher e não concebe o desejo dela. A letra da música de Caetano expressa esse descompasso: “…ele é quem quer, ele é  o homem /eu sou apenas uma mulher”. Para o macho que é macho, a mulher está destinada a ser como diz a letra da música de Chico Buarque: “na presença dele eu me calo /eu de dia sou sua flor /eu de noite sou seu cavalo /A cerveja dele é sagrada /a vontade dele é a mais justa”.

Por Betty Milan  

Escritora e Psicanalista que responde às aflições dos leitores sobre amor e sexualidade na revista VEJA


(recomendamos uma visita às múltiplas questões e respostas deste "consultório" -e é curioso também ler as múltiplas visões presentes nos comentários aqui)
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...canções da submissão, do machismo e da solidão que se ilude...